Eu perdi meu dom com as palavras. Elas, que costumavam me acompanhar onde quer que eu fosse, pro bem, pro mal. Mal dizer ou bem dizer coisas, pessoas, a vida, o mundo. Hoje elas me fogem, me fodem. Engasgam, entalam, não saem. São abelhas em meus ouvidos, sons sem distinção, barulho. Cheiros confusos, sensações anestesiantes. São palavras. Que se misturam e se confundem comigo, meu suor, meu gozo, meu ódio. Estão aqui, agora, mas não saem. Não querem, me doem, cortam, perfuram. Mimadas, têm vontade própria, independentes, sem porquê. Será que fui eu? Que dei liberdade demais, deixando-as falar quando quisessem? Se quisessem? Sinto os cortes, as lâminas me dilacerando com Chico ao fundo, ilustrando a morbidez da minha causa. "Morreu sufocada porque queria ser poeta", diria quem? Drummond? Morto. Que diferença faz? Em rebelião contra mim, elas se juntam em montes brancos cor de leite e vêm até a garganta, me provocar. "Não vai falar!", gritam elas, segurando faixas, e eu apenas obedeço. Apenas sinto, amargamente, tudo. Cada significado e significante ausentes. Cada letra e sua verdade revelada a mim, por dentro. O que elas querem provar, afinal? As pernas já se foram, moles, inertes. Me restam as mãos com quais escrevo, os olhos que me deixam ler, corrigindo os erros no caminhos. A voz sumiu, aos poucos, sem uso. Afinal, falar o que? Sem palavras? Aprendi mimica e usei por uns tempos, mas o repertório era limitado demais, abandonei. Tentei a música, mas deixei de entendê-la quando as abelhas voltaram junto com o gozo e os cortes. Hoje tenho uma página em branco, uma caneta quase sem tinta e minha mão. O movimento ainda lembro. Assino meu nome em cada página que não escrevo. Apredi, no silêncio inexorável da minha ausência de racionalidade, que a minha falta do que dizer, de como dizer, fala mais de mim do que eu jamais quis. Acho que vou lançar um livro, uma autobiografia. O título? Uma vida sem palavras. Assinado, por mim, em todos as paginas. Em branco.
(06/07/2008)
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