terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Delegadas da Paixão

Quando apaixonados tudo o que queremos é que não haja passado. Não o nosso, mas o do outro. Cada fragmento, relevante ou não, de algo que aconteceu antes da data em que se conheceram deve ser terminantemente apagado. Nós, mulheres, bancamos as delegadas da paixão. Investigamos cada detalhe, esmiuçamos as gavetas, os cantos dos olhos, pra ter certeza de que não há nada ali. Mas sempre há. Bancamos as detetives, fiscalizando cada olhar, pra ver se ele vai para a bunda de alguma loira, alta, com pinta de passista, esquecendo que antes de serem nossos qualquer coisas, são homens. Não lembramos que nós mesmas esquecemos nossos olhos nos braços de algum estivador tatuado com cara de Javier Bardem.

Qualquer indicio de que há, ali, um homem, acima de um namorado; um passado antecedendo qualquer presente ou futuro é motivo de desconforto. Algumas respiram fundo, balançam a cabeça tentando afastar os pensamentos paranóicos que afirmam que ele ainda tem um caso com aquelazinha. Outras acreditam fielmente que é só uma peça no jogo de sedução daquele cafajeste, mal-feitor. Muitas não sabem o que pensar, então... pensam. Remoem a fotografia perdida no meio dos papéis, o ursinho guardado junto das roupas, o olhar pra loira passista – que geralmente nem é tão bonita assim, mas é mulher. Algumas de nós – eu mesma, até – engolimos seco, sorrimos e acenamos, como os pingüins de Madagascar bem nos ensinaram. Na busca de não criarmos desconforto, de nos precipitamos, esperando mais evidencias, talvez, do passado assustador que vem vestido de lençol nos assombrar a noite.

Me pergunto, agora, se realmente há um passado tão assustador assim. Um passado de fato há, mas será que ele veste mesmo um lençol branco e flutua? Ou somos nós que passamos na loja de fantasias e lhe compramos uma? Será que não somos nós que escolhemos a máscara mais assustadora e presenteamos nossa própria paranóia? Será que não é esse medo apavorante do passado devorador que nos mantêm algemadas a uma relação? Afinal, se é tão dolorido pensar que aquelas mãos fizeram cafuné em outras nucas, que outras canetas fizeram um coração em volta do nome dele, por que buscamos tão avidamente descobrir se nossas suposições são reais? Por que transformamos a loucura (muitas vezes) irreal que povoa nossos pensamentos em motivos reais para discussões, tristezas não nomeadas, angústia sentida ao lado de uma panela de brigadeiro e filme romântico na sessão da tarde?

Porque diabos nós desejamos tanto que ele tenha um passado o qual não aprovamos se somente o fantasma desse passado já é tão cruel?

Arrisco dizer que o que buscamos, na verdade, é a redenção desse passado. O que queremos é que aquele homem que nosso companheiro foi antes de nos conhecer se foi definitivamente. E que agora, conosco ao lado deles, são homens diferentes, quase perfeitos. Que fomos aquelas que, como nos filmes da sessão da tarde que assistimos com a panela de brigadeiro, sentindo uma angustia imensa, os fizeram enxergar o verdadeiro amor e que eles são, por isso, homens melhores. E só de pensar que é isso que eu busco quando fiscalizo o olhar dele, tenho vontade de lançar o distintivo de delegada, as algemas e me levar para prisão. Onde já se viu expectativas tão irreais? Deveria ser crime delirar assim...

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