Me peguei perdida em um texto de um amigo. Segundo ele, cada pessoa carrega uma bagagem pela vida. Cheia de coisas boas, ruins, experiências que nos fazem quem somos. Quando encontramos alguém, segundo sua teoria, abrimos essa mala e dela tiramos as melhores coisas que trazemos. Por que as melhores? Pra agradar, pra conquistar. E quanto mais tiramos nossas coisas boa e as mostramos, mais sobram apenas aquelas das quais não temos, necessariamente, orgulho... e é aí que a coisa pega. Quando a coisa já não é mais bonita, quando o que temos a oferecer ao outro já não são mais nossas virtudes é que a relação se coloca a prova.
Eu tendo a olhar pra isso por um outro viés. Acredito que cada encontro é um encontro de saberes. Saberes sobre si, sobre o mundo, sobre o outro. Saberes constituídos a partir de nossas experiências, marcas que exigiram de nós, em algum momento, um agir, um pensar, um certo malabarismo pra que pudéssemos sobreviver aos acontecimentos., mesmo que pra isso tenhamos deixado vários pedacinhos pra trás. E isso que perdemos para sairmos inteiros é o que garante nossa sobrevivência.
Quando encontramos outra pessoa, encontramos, inevitavelmente, com essas coisas que nela faltam, com o que ela perdeu pra passar pela vida. E aprendemos com ela o que ela aprendeu com outros, com as coisas, com as faltas e perdas. Ela nos apresenta seus saberes sobre a vida e nós mostramos os nossos. A relação, então, é o resultado desses vetores. É a combinação desses conhecimentos, gerando um saber comum, que vai permitir que os dois elementos desse encontro sigam por um mesmo caminho, que encontrem uma saída compartilhada para o desafio que a vida coloca. O malabarismo não será mais solitário, não será mais um esforço único pra salvar a própria vida. É quando o mundo demanda uma resposta da relação (e não mais uma resposta individual) é que, a meu ver, a relação se põe a prova. Se a conjunção dos saberes de cada um for capaz de gerar um saber compartilhado, que aponte uma direção comum, a relação é capaz de sobreviver. Ela – a relação – vai, como cada um de nós, perder algo. Há um dizimo que devemos pagar pra que possamos chegar ao próximo passo. Porém, se essa parcela da qual devemos nos desfazer em prol da relação for alta demais, se a equação dos saberes não for solucionada e, ao invés de um caminho comum prevalecerem os caminhos particulares de cada um, a relação entra como aquilo que deve ser perdido para a sobrevivência das partes. O dizimo pessoal é a relação da qual nos é exigido abrir mão.
A manutenção da relação para que ela se torne um “real deal”, como mencionado na Teoria das Malas, é um esforço de ambas as partes. É uma construção a quatro mãos nunca possível de se manter se for menos que isso. É uma conta que vai, invariavelmente, onerar as partes em prol de algo maior. E cada um deve se manter atento até onde suporta perder, do que é capaz de deixar pra trás, como tarifa, pra sair com um bônus que somente uma relação é capaz de oferecer: um saber totalmente novo. Sendo assim, me arrisco a dizer que se relacionar é essencialmente aprender. É adquirir saberes, conhecimentos, construir verdades para, a posteriori, contestá-las, desconstruí-las, reconstruí-las. Se relacionar é virtude de quem tem sede de conhecimento, daqueles que não tem medo de perder uma parte de si para agregar uma parte do outro. É fundir-se pra continuar inteiro, pra se manter único. E, apesar de único, faltoso de saber. Saber que se busca eternamente no outro.
ca ra lhow! sensacional. "É uma conta que vai, invariavelmente, onerar as partes em prol de algo maior."
ResponderExcluirMuito bom, Anansa, ótimo precedente e ótima fluência nas palavras. Esse ping-pong nosso vai dar samba um dia.
Eu vou escrever com ela. Orgulho de mim, nesse momento. Porque ela vai deixar eu escrever com ela.
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