quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Desencarnando

Há dias acordo com um embrulho no estômago. Não tem antiácido que dê jeito. Já mudei alimentação, já fiz de tudo. Até que me dei conta. Eu esqueci de escrever. Esqueci como colocar o coração no papel, e não só ele, todas as minha vísceras. Cada pedaço das minhas entranhas se tornou monumentalmente real, adoecido, apodrecido. Realização incurável das dores e prazeres da alma, materializado abstratamente no corpo.

Hoje senti uma coceirinha na ponta dos dedos e entendi que precisava apalavrar meu corpo. Lembrar como desanestesiar a alma, livrar o corpo dessa peso. Partilhar a vida, desencarnar o coração. Como diria uma amiga, desopilar o fígado e engravidar as palavras. Me parece melhor do que infectar a carne, se envenenar aos poucos e morrer por não sentir.

domingo, 31 de julho de 2011

Falta



Sinto falta do nosso sexo pela manhã. De acordar e te ver olhando pra mim, me esgueirar pra mais perto e encostar meu nariz no teu peito, sentindo sua respiração balançar os fios rebeldes do meu cabelo. Sinto falta do gosto do teu beijo assim que acorda. Antes mesmo de escovar os dentes, com gosto de noite bem dormida, de conchinha.

Me lembro da primeira vez que dormi com o corpo colado no teu. Nunca tinha conseguido dormir com alguém, assim, antes. Era sempre desconfortável, o hálito no meu rosto, o braço sob meu pescoço, muito calor, suor. Mas com você... com você foi fácil. O cheiro da sua pele entrando minhas narinas funcionavam como clorofórmio. Me inebriava juntamente com tua mão na minha nuca, carinhando de leve meu cabelo, se embolando nos meus cachos. A sincronia com a qual nos mexíamos durante a noite, feito balé, quase coreografado. Se eu virava pro outro lado, vinha você, se chegando por trás, lançando o braço por baixo do meu, afundando o rosto no meu cabelo. Se era você que se virava, quase instantaneamente eu despertava (ou nem isso, ia pelo cheiro...), te seguia, não querendo perder o calor do teu corpo. Se a noite era quente demais, não tinha problema. Por mais que nossos corpos ficassem um pouco separados, nossos dedos se mantinham entrelaçados durante o sono, ou deitávamos rosto a rosto, um pequeno vão entre nós.

Sinto falta de acordar e passar um tempo te olhando dormir antes de me aconchegar do teu lado, te fazendo abrir o olho só um pouquinho, só pra me ver ali e me abraçar e dormirmos de novo; de passar uma hora meio dormindo, meio acordada, entre beijos e carícias que acabavam no mais delicioso sexo de bom dia. Sempre silencioso, mas pegado, do jeito que a gente gostava.

Acho que mais que tudo, sinto falta de acordar e saber que, pelo menos um pouquinho, por um instante, algumas horas, alguns toque, você é meu.

- N. Moraes

sábado, 25 de junho de 2011

Temos nosso próprio tempo

Eu sempre vou esperar o celular tocar. Sempre confiro as ligações perdidas, as mensagens. Eu sempre vou esperar. Pode ser que chegue um momento em que eu nem precise mais me antecipar à tecnologia, tentando prever o telefonema, o e-mail, o sinal de fumaça. Talvez um dia nem faça mais diferença.

Um dia a gente vira história pra contar. "Você lembra? Éramos tão jovens... Fizemos tantas coisas."

O problema, entretanto, que vem me roendo a bainha da calça é o que fazer com a sensação de que, não, não fizemos tudo o que tínhamos pra fazer? É preciso, mais uma vez, recolher a alma, dobrar cuidadosamente e colocá-la no bolso. Carregá-la pra longe e esperar. Longamente. Calmamente. O chão que parece ainda ter pela frente, o longo caminho não percorrido, cheio de sinais luminosos e placas apontando desesperadamente para que eu siga ainda não sei se, de fato, está lá. Me resta sempre a dúvida se é sensação mesmo ou se é esperança. Será que sou que quero, tão fielmente, acreditar que ainda há, sim, história a ser escrita?

Curioso é ao escrever isso, instantaneamente vir à mente aquela música que diz "E o que foi prometido, ninguém prometeu. Nem foi tempo perdido". Nem foi tempo perdido... Não?

sábado, 21 de maio de 2011

Sobre a Teoria das Malas

Me peguei perdida em um texto de um amigo. Segundo ele, cada pessoa carrega uma bagagem pela vida. Cheia de coisas boas, ruins, experiências que nos fazem quem somos. Quando encontramos alguém, segundo sua teoria, abrimos essa mala e dela tiramos as melhores coisas que trazemos. Por que as melhores? Pra agradar, pra conquistar. E quanto mais tiramos nossas coisas boa e as mostramos, mais sobram apenas aquelas das quais não temos, necessariamente, orgulho... e é aí que a coisa pega. Quando a coisa já não é mais bonita, quando o que temos a oferecer ao outro já não são mais nossas virtudes é que a relação se coloca a prova.

Eu tendo a olhar pra isso por um outro viés. Acredito que cada encontro é um encontro de saberes. Saberes sobre si, sobre o mundo, sobre o outro. Saberes constituídos a partir de nossas experiências, marcas que exigiram de nós, em algum momento, um agir, um pensar, um certo malabarismo pra que pudéssemos sobreviver aos acontecimentos., mesmo que pra isso tenhamos deixado vários pedacinhos pra trás. E isso que perdemos para sairmos inteiros é o que garante nossa sobrevivência.

Quando encontramos outra pessoa, encontramos, inevitavelmente, com essas coisas que nela faltam, com o que ela perdeu pra passar pela vida. E aprendemos com ela o que ela aprendeu com outros, com as coisas, com as faltas e perdas. Ela nos apresenta seus saberes sobre a vida e nós mostramos os nossos. A relação, então, é o resultado desses vetores. É a combinação desses conhecimentos, gerando um saber comum, que vai permitir que os dois elementos desse encontro sigam por um mesmo caminho, que encontrem uma saída compartilhada para o desafio que a vida coloca. O malabarismo não será mais solitário, não será mais um esforço único pra salvar a própria vida. É quando o mundo demanda uma resposta da relação (e não mais uma resposta individual) é que, a meu ver, a relação se põe a prova. Se a conjunção dos saberes de cada um for capaz de gerar um saber compartilhado, que aponte uma direção comum, a relação é capaz de sobreviver. Ela – a relação – vai, como cada um de nós, perder algo. Há um dizimo que devemos pagar pra que possamos chegar ao próximo passo. Porém, se essa parcela da qual devemos nos desfazer em prol da relação for alta demais, se a equação dos saberes não for solucionada e, ao invés de um caminho comum prevalecerem os caminhos particulares de cada um, a relação entra como aquilo que deve ser perdido para a sobrevivência das partes. O dizimo pessoal é a relação da qual nos é exigido abrir mão.

A manutenção da relação para que ela se torne um “real deal”, como mencionado na Teoria das Malas, é um esforço de ambas as partes. É uma construção a quatro mãos nunca possível de se manter se for menos que isso. É uma conta que vai, invariavelmente, onerar as partes em prol de algo maior. E cada um deve se manter atento até onde suporta perder, do que é capaz de deixar pra trás, como tarifa, pra sair com um bônus que somente uma relação é capaz de oferecer: um saber totalmente novo. Sendo assim, me arrisco a dizer que se relacionar é essencialmente aprender. É adquirir saberes, conhecimentos, construir verdades para, a posteriori, contestá-las, desconstruí-las, reconstruí-las. Se relacionar é virtude de quem tem sede de conhecimento, daqueles que não tem medo de perder uma parte de si para agregar uma parte do outro. É fundir-se pra continuar inteiro, pra se manter único. E, apesar de único, faltoso de saber. Saber que se busca eternamente no outro.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Como pode ser gostar de alguém
E esse tal alguém não ser seu
Fico desejando nós gastando o mar
Pôr-do-sol, postal, mais ninguém
Peço tanto a Deus
Para
lhe esquecer
Mas só de pedir me lembro
Minha linda flor
Meu jasmim será
Meus melhores beijos serão seus
Sinto que você é ligado a mim
Sempre que estou indo, volto atrás
Estou entregue a ponto de estar sempre só
Esperando um sim ou nunca mais
É tanta graça lá fora passa
O tempo sem você
Mas pode sim
Ser sim amado e tudo acontecer
Sinto absoluto o dom de existir,
Não há solidão, nem pena
Nessa doação, milagres do amor
Sinto uma extensão divina
É tanta graça lá fora passa
O tempo sem você
Mas pode sim
Ser
sim amado e tudo acontecer
Quero dançar com você
Dançar com vocêQuero dançar com você
Dançar com você

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Delegadas da Paixão

Quando apaixonados tudo o que queremos é que não haja passado. Não o nosso, mas o do outro. Cada fragmento, relevante ou não, de algo que aconteceu antes da data em que se conheceram deve ser terminantemente apagado. Nós, mulheres, bancamos as delegadas da paixão. Investigamos cada detalhe, esmiuçamos as gavetas, os cantos dos olhos, pra ter certeza de que não há nada ali. Mas sempre há. Bancamos as detetives, fiscalizando cada olhar, pra ver se ele vai para a bunda de alguma loira, alta, com pinta de passista, esquecendo que antes de serem nossos qualquer coisas, são homens. Não lembramos que nós mesmas esquecemos nossos olhos nos braços de algum estivador tatuado com cara de Javier Bardem.

Qualquer indicio de que há, ali, um homem, acima de um namorado; um passado antecedendo qualquer presente ou futuro é motivo de desconforto. Algumas respiram fundo, balançam a cabeça tentando afastar os pensamentos paranóicos que afirmam que ele ainda tem um caso com aquelazinha. Outras acreditam fielmente que é só uma peça no jogo de sedução daquele cafajeste, mal-feitor. Muitas não sabem o que pensar, então... pensam. Remoem a fotografia perdida no meio dos papéis, o ursinho guardado junto das roupas, o olhar pra loira passista – que geralmente nem é tão bonita assim, mas é mulher. Algumas de nós – eu mesma, até – engolimos seco, sorrimos e acenamos, como os pingüins de Madagascar bem nos ensinaram. Na busca de não criarmos desconforto, de nos precipitamos, esperando mais evidencias, talvez, do passado assustador que vem vestido de lençol nos assombrar a noite.

Me pergunto, agora, se realmente há um passado tão assustador assim. Um passado de fato há, mas será que ele veste mesmo um lençol branco e flutua? Ou somos nós que passamos na loja de fantasias e lhe compramos uma? Será que não somos nós que escolhemos a máscara mais assustadora e presenteamos nossa própria paranóia? Será que não é esse medo apavorante do passado devorador que nos mantêm algemadas a uma relação? Afinal, se é tão dolorido pensar que aquelas mãos fizeram cafuné em outras nucas, que outras canetas fizeram um coração em volta do nome dele, por que buscamos tão avidamente descobrir se nossas suposições são reais? Por que transformamos a loucura (muitas vezes) irreal que povoa nossos pensamentos em motivos reais para discussões, tristezas não nomeadas, angústia sentida ao lado de uma panela de brigadeiro e filme romântico na sessão da tarde?

Porque diabos nós desejamos tanto que ele tenha um passado o qual não aprovamos se somente o fantasma desse passado já é tão cruel?

Arrisco dizer que o que buscamos, na verdade, é a redenção desse passado. O que queremos é que aquele homem que nosso companheiro foi antes de nos conhecer se foi definitivamente. E que agora, conosco ao lado deles, são homens diferentes, quase perfeitos. Que fomos aquelas que, como nos filmes da sessão da tarde que assistimos com a panela de brigadeiro, sentindo uma angustia imensa, os fizeram enxergar o verdadeiro amor e que eles são, por isso, homens melhores. E só de pensar que é isso que eu busco quando fiscalizo o olhar dele, tenho vontade de lançar o distintivo de delegada, as algemas e me levar para prisão. Onde já se viu expectativas tão irreais? Deveria ser crime delirar assim...

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Tem coisa que não basta

Todos esses trompetes, saxofones e instrumentos de sopro ao fundo, juntamente com com os pratos e o piano suave me fazem fechar os olhos e, automaticamente, me teletransportar pra um tempo o qual não vivi. Me fazem lembrar das estolas de pele, vestidos longos de festa, do flerte velado, charmoso, entre os casais, do glamour que vemos nos filmes. Essa nostalgia fantasiosa me remete a fala de uma paciente de uma amiga. Não me lembro bem as palavras, mas era mais ou menos assim: "Na minha época casava-se por amor. Hoje parece que vocês, jovens, casam-se por vários outros motivos". Ela era uma senhorinha bem idosa que acompanhava o marido no CTI e mal conseguia se aproximar e vê-lo entubado. Foi uma frase simples, que falava da dor de ver o homem com quem estava casada há (suponho) quase 50 anos objetificado em uma cama de hospital.

Volta e meia me pego pensando no hoje. O que aquela senhorinha enrugada e de cabelos brancos sabe que nós não sabemos? Se não o amor, o que leva as pessoas a se casarem hoje em dia?

Me lembro claramente de dizer com todas as letras que "amor não é o suficiente". E mantenho minha palavra. Mas hoje, (ainda que só um pouco) mais amadurecida, percebo como foram palavras descuidadas. Se amor não é suficiente, o que é? O que eu quis, realmente, dizer com isso? Não faço a menor idéia. E acho que talvez eu nunca descubra. Talvez eu nunca saiba o que é necessário pra se casar, hoje em dia. Há séculos costumava ser o interesse em defender seus bens, há alguns anos, o amor. Aparentemente essa é uma resposta a posteriori. Me imagino entrando num CTI, velhinha, mal conseguindo me sustentar em minhas pernas e amparada por uma jovenzinha qualquer. Vendo meu parceiro de, provavelmente, alguns poucos anos (ou será que longos casamentos ainda serão possíveis pra mim?) deitado em alguma cama e dizendo para aquela que me ampara: "na minha época, casava-se por amizade, companheirismo, paz. Por algumas tardes vendo filme e rindo um do outro, pela facilidade de estar juntos. Hoje, vocês, jovens, casam por muitos outros motivos."

Eu não sei porque pessoas se casam hoje em dia. Eu não sei porque eu quero me casar. Acho que, secretamente, sustentei essa fantasia enfeitada com cravos e tafetá achando que ela se realizaria por amor. Pura e simplesmente por amor. Mesmo sabendo que não é bem assim, mesmo dizendo que amor não basta. Eu ainda tenho meu vestido dos sonhos, ainda espero, secretamente, debaixo da pia do banheiro, ouvindo Cheek do Cheek e pensando que essa será a minha primeira dança e que eu vou casar por amor. Porque, como dizem por aí, saber também não basta.